EGITO GONÇALVES
José Egito de Oliveira Gonçalves
(1920-2001)
José EGITO de Oliveira GONÇALVES
Escritor português com uma actividade cultural desenvolvida sobretudo a partir da cidade do Porto: é editor, no domínio do livro de poesia, está ligado à direcção de revistas como A Serpente (1951), Árvore (1951-1953), Notícias do Bloqueio (1957 – 1962) ou Limiar (iniciada em 1992), publica várias traduções de romancistas e poetas estrangeiros, desenvolve actividades teatrais e ligadas ao movimento cineclubista.
Como poeta, a sua obra tende para o estabelecimento de um equilíbrio entre duas tendências que se afirmaram nas décadas de 40 e 50: o neo – realismo e o surrealismo. Da primeira destas tendências – muito marcada em Os Arquivos do Silêncio (1963) e na recolha antológica Poemas Políticos (1980) .
Egito Gonçalves recupera um sentido de intervenção, por vezes desfocado por uma muito viva expressão irónica; da segunda, a maneira como na poesia se pode valorizar a imaginação, sem que, no entanto, a sua linguagem enverede por experiências associativas surrealizantes, pela escrita automática, etc. Quanto a este aspecto, Egito Gonçalves mostra-se sempre preocupado em construir o poema (“construo os meus poemas, com as imagens adorno-os”), dando-lhes uma configuração bem delineada ou estruturada.
Aproxima-se, assim, daqueles poetas que nos anos 50 – o seu primeiro livro, Poema para os Companheiros da Ilha, é de 1950 – começam a revelar uma especial atenção quanto ao papel que a linguagem desempenha na economia da própria criação poética, sobretudo através da utilização da metáfora e da imagem.
Isto leva-o a estar atento a uma certa viragem que na poesia portuguesa ocorre durante a década de 60, orientando-se essa viragem para um tipo de escrita poética que reage contra a discursividade – característica esta comum a muitos textos surrealistas e neo-realistas -, contra uma figuração expansiva procurando, antes, uma linguagem o mais depurada possível, elíptica, por vezes fragmentada.(…)
In: Bibllos - Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa - 1995
Egito Gonçalves
>o<
Notícias do Bloqueio
Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.
Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
Tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos — contrabando — aos teus cabelos.
Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
— único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.
Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...
Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos do silêncio duro e violento.
Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.
Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.
Mas diz-lhes que se mantém indevassável
e segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.
Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os viveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se.
Egito Gonçalves dizia: «Sou um lírico. Os meus poemas de combate são sempre poemas de amor, porque, vendo bem, em qualquer combate o amor é sempre a chama que nos alimenta.»
5 comentários:
This is embarassing... O meu pai falava tanto deste senhor, em nossa casa, que estava convencida que era pintor como o meu pai! E, afinal, tem mais a ver com a minha própria vocação, de tradutora note-se...não de poeta!
Meu caro César
Mais uma vez, agradeço a divulgação de uma personalidade que eu desconhecia. Vou tentar pesquisar mais qualquer coisa na net sobre ele.
Cont. de um bom fds.
Caro César
Preso por aqui ao sonho de uma cooperativa só me tem restado tempo para visitas de médico.
Não é dos poetas que melhor conheço mas abriu-se-me o apetite.
Um forte abraço,
mário
César,
Foi uma grata surpresa este teu post.
Desconhecia este poeta e pintor. Adorei, o poema aqui publicado.
Bjs
Luísa
Olá César,
Maravilhoso, interessante cultural este seu post! Agradeço a partilha pois confesso que não conhecia.
Um abraço
Boa semana
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